Fotos: Reprodução/Jefferson Rudy/Agência Senado/Marcelo Camargo/Agência Brasil
Do Correio Braziliense
Uma série de decisões da Justiça tem desconstruído, etapa a etapa, o trabalho da força-tarefa batizada de maior operação de combate à corrupção da história do país. Nesta semana, novas determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) livraram mais dois personagens condenados na Lava-Jato e sedimentaram o caminho para que outros sentenciados busquem vitória nos tribunais — como já obtiveram, também, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.
Na terça-feira, a Segunda Turma do STF derrubou a condenação do ex-ministro petista José Dirceu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No mesmo dia, o ministro Dias Toffoli anulou todas as sentenças impostas ao empresário Marcelo Odebrecht pela 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da força-tarefa.
No caso de Dirceu, a Segunda Turma da Corte considerou a extinção da pena por prescrição — ou seja, passou o prazo-limite para a punição. A defesa alegou que a prescrição ficou caracterizada porque a consumação do crime ocorreu em 2009, quando teria havido o suposto acerto de pagamento de propina.
Os advogados também apontaram a idade avançada do ex-ministro. Como Dirceu tinha mais de 70 anos na data da condenação, os prazos prescricionais foram reduzidos à metade. Agora, o ex-ministro aguarda vitória, também, no Superior Tribunal de Justiça (STF), onde impetrou recurso contra outra condenação na Lava-Jato. Em caso de triunfo, vai recuperar os direitos políticos.
Em relação a Marcelo Odebrecht, Toffoli apontou uma série de erros na condução da investigação. Segundo o ministro, os integrantes da Lava-Jato atuaram em conluio, ignorando o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade para garantir seus objetivos pessoais e políticos. Como exemplo, citou os diálogos entre o então juiz e agora senador Sergio Moro (União-PR), e procuradores — essas gravações foram apreendidas na Operação Spoofing. “Fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar, corroendo-se as bases do processo penal democrático”, frisou.
A Lava-Jato amargou outros reveses na Corte. Em dezembro passado, Toffoli suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência da J&F firmado com o Ministério Público Federal (MPF). Em fevereiro, o ministro também acolheu pedido da Companhia Novonor S.A (nova denominação do então Grupo Odebrecht) e anulou o pagamento de multas de R$ 8,5 bilhões impostas à empresa.
Durante a Lava-Jato, foram mais de mil mandados de buscas e apreensão, de prisão temporária e preventiva, além da condução coercitiva em cerca de 80 fases. O número de réus chegou a 600, e as penas superaram três mil anos de prisão.
Nesta sexta-feira, Moro negou a possibilidade de que eventuais erros seus tenham levado às anulações de condenações na operação. “Com relação à Lava-Jato, não tenho interesse pessoal. Fui juiz do caso e tenho muito orgulho do que foi feito. Sei que, infelizmente, existe uma tradição de impunidade no Brasil que tenta prevalecer”, afirmou ao UOL News.
Para especialistas ouvidos pelo Correio, houve erros, excessos e vazamentos que levaram a recuos e anulações de condenações exatamente como ocorre no momento. Fabio de Sá e Silva, professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA), alerta para a necessidade de avaliar os impactos negativos da Lava-Jato no país. O caminho, segundo ele, é criar um colegiado para investigar possíveis abusos da operação.
“A melhor solução para lidar com a Lava-Jato seria submetê-la a uma ‘comissão da verdade’, a fim de que pudéssemos entender coletivamente o que aconteceu, tanto do lado de empresas e governos quanto do lado de juízes, procuradores e imprensa para que, assim, pudéssemos aperfeiçoar tanto nossas normas quanto nossas práticas em relação à corrupção e à anticorrupção”, sustenta.
De forma semelhante avalia o analista político Melillo Dinis. Ele considera que a operação acumula fracassos. “Apesar do esforço de muitos, a Lava-Jato atolou no pântano das ilegalidades; mergulhou no oceano do pseudo-heroísmo de procuradores e de juízes, que se arvoram em tentar ser maior que o direito; na vaidade imensa de alguns; e na modificação da bolha que se construiu em torno de um modelo de combate à corrupção individualista e errático”, diz.
Veja as principais condensações anuladas
José Dirceu — a Segunda Turma do STF anulou a condenação do ex-ministro pelo crime de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A defesa alegou a idade avançada do cliente. Como o petista tinha mais de 70 anos na data da condenação, os prazos prescricionais foram reduzidos à metade.
Marcelo Odebrecht — o empresário teve todos os procedimentos penais trancados por determinação do ministro Dias Toffoli. A medida não comporta o acordo de delação firmado durante a operação.
Luiz Inácio Lula da Silva — em 2021, o STF anulou as condenações da Lava-Jato baseado nos entendimentos de que o então juiz Sergio Moro foi parcial no processo e de que os casos tramitaram fora da jurisdição correta. O petista ficou 580 dias preso.
João Vaccari Neto — em janeiro, o ministro Edson Fachin anulou a condenação de 24 anos de prisão imposta ao ex-tesoureiro do PT. O magistrado reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para processar e julgar o caso. A decisão também beneficiou o publicitário João Santana e a mulher dele, Mônica Moura; e o empresário Zwi Skornicki.
Eduardo Cunha — no ano passado, o STF anulou uma condenação de quase 16 anos de prisão do ex-parlamentar, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A alegação foi de incompetência da Vara de Curitiba.
Sérgio Cabral — no início do mês, o ex-governador do Rio de Janeiro teve três condenações contra ele anuladas pelo Tribunal Federal da 2ª Região (TRF-2). As decisões não o absolveram dos crimes investigados, mas determinaram que as ações criminais fossem redistribuídas.