Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Do Correio Braziliense
“Não estamos conseguindo dialogar com a nova classe trabalhadora.” A avaliação é de Edinho Silva, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, o PT em entrevista à BBC News Brasil, na segunda-feira (18/8).
Assumir que o partido enfrenta dificuldades para dialogar com a “classe trabalhadora” parece ter um peso extra para a liderança de um partido cujo nascedouro foi o movimento sindical do final dos anos 1970 e início dos anos 1980 e que carrega “trabalhadores” no nome.
Aos 60 anos de idade, Edinho Silva assumiu o comando do PT em julho, ao vencer as eleições internas do partido. Mesmo antes de vencer a disputa, ele já era apontado como um dos homens de confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
BBC News Brasil – O senhor tem repetido que o Brasil vive uma descaracterização do presidencialismo considerando o fato de que hoje Congresso executa R$ 52 bilhões do orçamento. Estamos no terceiro ano do governo Lula e isso não foi mudado. Por que o governo Lula não conseguiu mudar isso?
Edinho Silva – Por conta da correlação de forças. Tivemos uma descaracterização do presidencialismo que teve início no governo (Michel) Temer, que não tinha legitimidade porque foi fruto de um golpe sobre Dilma. Depois, tivemos o governo (Jair) Bolsonaro que é inegável que seja um mobilizador de massas, mas que tinha pouca aptidão para governar. Ele terceirizou a execução orçamentária para o Congresso Nacional.
Esta situação está normatizada hoje no Congresso. Para voltar a caracterizar o presidencialismo, teríamos que alterar essas normas e, hoje, é impossível você alterar essas normas com a atual correlação de forças no Congresso Nacional. Os deputados que formam o Centrão… quando você vai mexer nos interesses deles, que é execução orçamentária, é evidente que a tendência de blocar uma maioria no Congresso evitando essa mudança, tanto na Câmara como no Senado, é muito grande.
BBC News Brasil – Mas foi exatamente isso que o presidente Lula prometeu durante as eleições de 2022. Ele prometeu acabar com o orçamento secreto. O senhor compreende que o presidente Lula não cumpriu essa promessa?
Edinho – Eu compreendo que não há correlação de forças [suficiente]. O presidente Lula falou isso na campanha e tem lutado arduamente para que essa situação se altere. E toda vez que se tenta mexer na execução orçamentária por parte do Congresso, é claro que temos reações e a mais evidente é a do IOF. Quando Congresso revoga um ato presidencial… não tenho nenhuma dúvida de que o motivo que pressionou o presidente da Câmara [Hugo Motta] a tomar essa posição, e também no Senado, foi a não execução das emendas parlamentares.
BBC News Brasil – Quando se fala sobre essa correlação de forças e admite que o governo não consegue mexer nisso, é uma afirmação justa dizer que o governo é refém dessa correlação de forças?
Edinho – O governo não tem maioria no Congresso. Isso não é segredo para ninguém. Se o governo tivesse maioria, outras mudanças já teriam sido feitas, não apenas essa.
Há muitas mudanças que o governo quer fazer e não tem correlação de forças no Congresso. Não conseguimos formar maioria.
Quando o Congresso vira executor de R$ 52 bilhões do Orçamento, você tira do Executivo o poder de execução e, mesmo formando uma coalização com representação nos ministérios, quando essa deliberação sobre o Orçamento não está na mão dos ministros e sim no Congresso, a coalizão não se efetiva.
BBC News Brasil – O presidente Lula pretende reeditar a promessa de acabar com o orçamento secreto, de reduzir o poder do Congresso sobre o Orçamento ou essa é uma luta que o PT não pretende travar?
Edinho – Mas não depende do presidente Lula. O que cabe ao presidente Lula ele tem feito. Ele tem procurado liberar emendas dentro de programas do governo e de uma lógica governamental. E isso é conflitivo porque a dinâmica que se criou no Congresso Nacional é liberar as emendas de acordo com os interesses individuais dos parlamentares.
E nem digo que isso não seja legítimo o parlamentar brigar pela sua cidade, pela sua região. O que eu penso que não pode é essa dinâmica descaracterizar o governo e descaracterizar programas nacionais. Nós precisamos devolver ao Executivo o poder presidencialista. Hoje, isso não acontece.
Mas isso é um embate político. Nós vamos conseguir mudar isso no dia em que a sociedade permitir que a gente faça maioria no Congresso Nacional votando nos partidos que defendem que o presidencialismo volte a se caracterizar.
BBC News Brasil – Mas, do ponto de vista prático, qual é o plano do PT e qual o plano do governo para reforçar o sistema presidencialista?
Edinho – Uma parte dessa descaracterização tem que ser tratada pelo Supremo, porque se a Constituição Federal diz que o Brasil é presidencialista, se nós estamos descaracterizando o presidencialismo sem alterar a Constituição Federal, é evidente que tem uma parte desse embate que é jurídico.
BBC News Brasil – Mas isso não é terceirizar para o Supremo um debate que é político?
Edinho – Mas quem dirime dúvidas quanto a essas dúvidas constitucionais é a Suprema Corte.
BBC News Brasil – Após as eleições de 2024, o senhor disse que a classe média votou contra o PT. O que o PT fez para que a classe média virasse as costas ao partido?
Edinho – Uma parte da classe média vota no PT. Outra parte, historicamente, nunca votou. Onde nós perdemos eleitorado foi nos setores médios das periferias.
Eu penso que existe uma nova classe trabalhadora se formando no Brasil. O processo de modernização que nós vivenciamos a partir do início do século 21, com adoção da robótica e inteligência artificial, tem mudado o mercado de trabalho brasileiro, porque você está mudando a base produtiva.
As novas tecnologias substituem trabalhadores. Boa parte desses trabalhadores está indo para o setor de serviços e nós não estamos conseguindo dialogar com essa nova classe trabalhadora emergente.
Do ponto de vista da juventude, há novas profissões que hoje se caracterizam por meio da internet. Um exemplo são os jovens que ficam em home office recortando e impulsionando vídeos para plataformas.
A gente não consegue nem nominar essas novas profissões porque ainda estão em fase de caracterização e a gente tem dificuldade de dialogar com elas. Outro setor é o moto-entregador. Há quem diga que haja 12 milhões de moto entregadores no Brasil.
BBC News Brasil – Por que o PT, pelo menos aparentemente, não consegue dialogar com essa nova classe trabalhadora?
Edinho – Estamos tendo dificuldade de dialogar com essas novas profissões. O PT, tradicionalmente nasce do trabalhador dentro da fábrica, dos bancos, do comércio, do trabalhador sindicalizado.
Essas novas profissões, em primeiro lugar, não são sindicalizadas. São muitos trabalhadores que sequer têm vínculo empregatício. Eles se caracterizam como empreendedores. Portanto, eles não têm aquela concepção de trabalho formal com a qual o PT sempre trabalhou.
O ministro [Luiz] Marinho [do Trabalho], por exemplo, tentou regulamentar a profissão de moto-entregador, criando direitos que eram importantes. Mas a própria categoria rejeitou essa regulamentação.
O motorista de aplicativo não quer vínculo formal. O moto-entregador não quer vínculo formal. O trabalhador em homeoffice, muitas vezes, não quer o vínculo formal. Nós temos que entender isso. E esse é o esforço que nós estamos fazendo para entender o que efetivamente esse trabalhador quer.
BBC News Brasil – Mas o PT, hoje, entende o que esse trabalhador quer?
Edinho – Isso não é magia. O PT tem que dialogar e interpretar. Não é como num passe de mágica e, de repente, agora, o PT vai entender o que esse trabalhador pensa.
Nós temos que conversar, dialogar e construir propostas para esses trabalhadores. Eu penso, por exemplo, que uma forma de organização desses trabalhadores é o cooperativismo. É organizá-los como em cooperativas onde eles lutem pelos seus direitos e combatam a superexploração, a precarização, mas sem efetivamente ter o vínculo de trabalho formal. Por meio de cooperativas eles podem ter acesso a linha de crédito facilitada.
Sou defensor que em vez de nós ficarmos tentando regulamentar da perspectiva da CLT, que a gente comece a dialogar com esse trabalhador dentro dessa nova realidade. Mas isso é um processo. O importante é que o PT tem consciência dessa dificuldade e disposição de diálogo.
BBC News Brasil – O julgamento do ex-presidente Bolsonaro foi marcado agora para setembro. O senhor espera novas sanções dos Estados Unidos em relação ao Brasil ao longo do processo de julgamento?
Edinho – A pergunta é: o governo Trump não quer que o Brasil apure uma tentativa de golpe? O governo Trump não quer que o Brasil apure uma organização que pretendia matar três lideranças brasileiras? Isso não tem sentido. O Brasil é um país democrático, em que as instituições funcionam e para nós, golpe não é algo banal. Tentativa de assassinato não é algo banal. Então, não interessa o que o governo Trump faça com o Brasil.
O Brasil não vai abrir mão das suas instituições, não vai abrir mão da sua democracia e não vai abrir mão de apurar tentativa de crime e penalizar quem arquitetou uma tentativa de crime. Se não, a cada eleição que nós tivermos no Brasil e uma força política perder a eleição, ela vai se sentir no direito de organizar um golpe e de assassinar quem ganhou a eleição.
BBC News Brasil – A pesquisa mais recente do Datafolha sobre a avaliação do tarifaço aponta que 35% dos entrevistados responsabilizam o presidente Lula pelo que está acontecendo, pelo tarifaço. Por que 35% da população, mais de um terço da população, segundo o Datafolha, responsabiliza o presidente Lula por esse tarifaço?
Edinho – Você devia mudar a pergunta. A pergunta é por que a maioria da sociedade brasileira atribui à família Bolsonaro o tarifaço? Porque foi isso que deu na pesquisa. A maioria da sociedade brasileira diz que os responsáveis pelo tarifaço são a família Bolsonaro. Um terço (atribuir a Lula), numa sociedade polarizada, acho que é normal. Não é nenhum número assustador.
BBC News Brasil – O fato de o presidente Lula ter declarado apoio à então candidata democrata Kamala Harris, e o fato de ter o presidente Lula associado o presidente Trump ao fascismo e ao nazismo, na sua avaliação, não contribuiu em nada para esse cenário?
Edinho Silva – Ele é fascista. Eu estou dizendo o Trump é o maior líder fascista do século 21. Eu estou dizendo e os países democráticos do mundo estão dizendo. Um presidente que diz que vai ocupar a Groelândia, o Canal do Panamá e que diz que vai anexar o Canadá é fascista.
O presidente que manda o Elon Musk representar o governo americano na conferência dos fascistas na Itália é fascista. Um presidente que dialoga com os nazistas na Alemanha defende o nazismo.
Qual a dúvida que nós temos de que ele é o maior líder fascista do século 21? E eu penso que o povo americano tem que reagir. Nós temos que continuar denunciando as atrocidades do governo Trump.
BBC News Brasil – O senhor é presidente do partido que tem a Presidência da República. O senhor teme perder visto de entrada nos EUA ou de ser sancionado de alguma forma?
Edinho Silva – Eu? De forma alguma. E penso que o Brasil não tem que recuar.
BBC News Brasil – Em 2022, foi montada a frente ampla e vocês trouxeram o vice-presidente Geraldo Alckmin para dentro da chapa. Geraldo Alckmin continua sendo o nome para essa chapa ou vocês já estão estudando outros nomes?
Edinho – O vice-presidente Geraldo Alckmin pode ser candidato ao cargo que ele quiser. Ele é uma liderança exemplar para o país. É um homem íntegro, honesto, correto e um homem que tem cumprido um papel público excepcional, mesmo agora no enfrentamento ao tarifaço.
Eu sou um fã incondicional do vice-presidente Geraldo Alckmin e penso que ele tem condições de ser candidato àquilo que ele achar que é o melhor.
Evidentemente, nós vamos conversar, estamos conversando com o PSB, estamos conversando com o presidente [nacional do PSB] João Campos para que a gente construa a chapa mais forte possível para concorrer à Presidência da República e também para que a gente organize palanques fortes nos Estados brasileiros. Mas a ideia também é fundamental.
BBC News Brasil – Mas a ideia é que a vice continue com o PSB?
Edinho – A princípio, não tem nada que diga que o PSB não possa ser o vice.
BBC News Brasil – Vocês pretendem mudar o critério de formação de alianças para 2026 e cobrar mais os partidos que hoje estão no governo para entregar mais apoio?
Edinho – Nós vamos repetir a nossa política de alianças. Vamos trabalhar para ampliá-la. É evidente que, com os partidos fazem parte da coalizão, nós vamos negociar Estado por Estado e tentar criar palanques fortes em cada Estado brasileiro.
BBC News Brasil – Em 2026, o presidente Lula vai estar com 81 anos. Tudo indica que pode ser o último ciclo eleitoral do presidente Lula. O PT hoje está preparado para existir sem o presidente Lula num ciclo eleitoral?
Edinho – O presidente Lula completa [em 2025] 80 anos. Eu nunca vi o presidente Lula tão bem. Nunca vi ele tão bem de saúde e tão disposto. Ele tem uma vitalidade absurda. Ele vai disputar as eleições presidenciais num dos melhores momentos da sua vida, tanto do ponto de vista de saúde como de lucidez e de ânimo.
Mas o desafio de nós fortalecermos o PT para quando o presidente Lula não estiver mais nas urnas é grande. O PT tem que se preparar, tem que se fortalecer do ponto de vista eleitoral para quando o presidente não estiver disputando as eleições. É um desafio. Nós estamos trabalhando para fortalecer o PT.
O presidente Lula tem uma frase que eu acho que ela é a melhor resposta para essa sua pergunta. O presidente Lula disse que o seu sucessor não será um nome. Será o partido. Porque se o PT estiver forte, enraizado na sociedade brasileira, dialogando com a sociedade brasileira, o nome nós vamos construir com naturalidade.
BBC News Brasil – Mas essa frase também não escamoteia ou não resulta em uma inviabilização de novos nomes? Isso não prejudica o surgimento de novas lideranças?
Edinho – Pelo contrário. Ele está dizendo que o PT produzirá novas lideranças. É o contrário do seu raciocínio. Se o PT estiver forte, ele vai produzir muitas lideranças e certamente nós vamos ter lideranças disputando as eleições no Brasil por décadas. O PT precisa estar forte para que essas lideranças apareçam e se fortaleçam.
BBC News Brasil – Parte da sociedade brasileira entende o PT como um partido que é leniente na questão da segurança pública. Por outro lado, a PM da Bahia, que é um Estado governado pelo PT há muitos anos, é uma das polícias que mais mata no Brasil. Qual é a proposta do PT para a área de segurança pública e por que ela ainda não está clara para a maior parte da população brasileira?
Edinho – Eu acho que o PT precisa entrar com mais força no debate da segurança pública. Temos que ouvir os governadores para saber o que está dando certo e o que não está dando certo.
Temos que ouvir os nossos prefeitos das grandes cidades para saber o que as guardas municipais têm feito e nós formularmos uma proposta de segurança pública.
Essa proposta precisa, primeiro, cuidar do adolescente em conflito com a lei. Se nós não cuidarmos do adolescente em conflito com a lei, ele será ganho pelo crime organizado.
Em segundo lugar, essa proposta precisa adote as novas tecnologias. Hoje você tem grandes exemplos de segurança pública no mundo. Com câmeras de monitoramento, você tem condições de monitorar uma cidade inteira por meio de câmeras.
Não estou dizendo que o policiamento de combate não seja importante, mas ele tem que ficar dentro do batalhão e entrar quando for efetivamente necessário ele entrar.
A gente não pode ter índices onde os nossos jovens pretos das periferias são vítimas da letalidade policial. São temas importantes e não são simples. Por isso que é importante envolver os governadores e os prefeitos na formulação dessa proposta.
BBC News Brasil – Não é uma contradição o senhor defender isso e a PM de um Estado como a Bahia ser uma das polícias mais letais, afetando exatamente a população jovem, negra e periférica da Bahia?
Edinho – Por isso que é importante chamar os governadores para conversar, para a gente entender o que está dando certo e o que está dando errado.
BBC News Brasil – Hoje, uma parte relativamente grande da população, segundo as pesquisas, entende de alguma forma que o presidente Jair Bolsonaro é vítima de uma perseguição política, com o objetivo de tirá-lo das urnas e permitir uma nova vitória do presidente Lula. Como é que o senhor responde a essa argumentação de uma parte relativamente grande da população brasileira?
Edinho Silva – O ex-presidente Jair Bolsonaro está sendo investigado por uma tentativa de golpe.
Sou defensor do princípio do contraditório e de que ele possa oferecer sua defesa, mas todos os indícios levam a crer que ele participou da organização de uma tentativa de golpe e, repito, uma tentativa de golpe que pressupunha matar o presidente que ganhou as eleições, o vice-presidente e o ministro responsável pela diplomação eleitoral. Isso é grave.
Ele precisa ser investigado. Ele tem o direito de defesa, mas se for culpado, ele tem que pagar pela sua pena.