Foto: Ed Alves/CB/DA.Press
Do Correio Braziliense
Apesar de ter sido uma das peças-centrais para a investigação da Polícia Federal que elucida uma trama golpista e coloca o ex-presidente Jair Bolsonaro no papel central, o tenente-coronel Mauro Cid critica de forma enfática a própria colaboração premiada e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Um “desabafo” de Mauro Cid foi revelado por áudios vazados, divulgados pela Revista Veja, na noite desta quinta-feira 21/3).
Os áudios, aos quais o Correio teve acesso, foram gravados na semana passada, logo após Cid prestar mais um depoimento à PF — o sexto desde a assinatura da colaboração premiada. Nos áudios, Cid ataca a investigação, diz que é embalada por uma “narrativa” dos polícias, que teve declarações distorcidas e tiradas de contexto, e é enfático sobre a conclusão para Bolsonaro e aliados: “O Alexandre de Moraes já tem a sentença pronta”.
No entanto, a divulgação dos áudios pode ter um resultado negativo para o tenente-coronel. Fontes na PF ouvidas pelo Correio informaram que o acordo de delação premiada de Mauro Cid pode ser anulado após o vazamento dos áudios.
No primeiro áudio, Cid aponta uma suposta pressão por parte da PF em delatar algo que o ex-ajudante de ordens não presenciou. “Eles (os policiais) queriam que eu falasse coisa que eu não sei, que não aconteceu”, conta Cid. “Eles já estão com a narrativa pronta, eles não querem saber a verdade, eles só queriam que eu confirmasse a narrativa dele, e todas vezes eles falam ‘a sua colaboração está muito boa'”.
Cid aponta que os policiais destacavam o grande número de indiciamentos que poderiam envolvê-lo. “A vacina, ‘vacina, por exemplo, você vai ser indiciado por nove negócios de vacina, nove tentativas de falsificação de vacina, vai ser indicado por associação criminosa e mais um termo lá, só essa brincadeira são 30 anos pra você’”.
Um dos tópicos envolvidos nos áudios vazados é o ministro Alexandre de Moraes, do STF. O responsável pelos inquéritos que investigam Bolsonaro é apontado por Cid como “a lei”. “Eles são a lei agora, a lei já acabou há muito tempo, a lei é eles, eles são a lei, o Alexandre de Moraes é a lei, ele prende, ele solta, quando ele quiser, com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação”.
Cid ainda pontua que a investigação não tem sentido, já que “Alexandre de Moraes já tem a sentença dele pronta’. “Eu acho que essa é a grande verdade, ele só tá esperando passar o tempo, o momento que ele achar conveniente, denuncia todo mundo, o PGR acata, aceita, e ele prende todo mundo”, diz o ex-ajudante de ordens da PF.
O tenente-coronel diz ainda que os envolvidos na trama golpista vão receber penas altas. “Vai entrar todo mundo em tudo, você vai somar as penas lá e vai dar mais de 100 anos para todo mundo. A cama tá toda armada, e vou dizer, os bagrinhos tão pegando 17 anos, teoricamente, os mais altos vão pegar quantos?”, afirma.
Mauro Cid ainda diz que ele foi quem mais perdeu com a investigação. “Pesa todo mundo aí, ninguém perdeu carreira, ninguém perdeu vida financeira como eu perdi, todo mundo já era quatro estrelas, já tinha atingido o topo. O presidente (Bolsonaro) teve PIX de milhões, ficou milionário. Pros políticos é até bom essas coisas, porque depois ele consegue se eleger fácil. O único que teve pai, filha, esposa envolvida, o único que perdeu a carreira, o único que perdeu a vida toda financeira, fudido, fui eu”, disse.
Fontes na Polícia Federal ouvidas pelo Correio afirmam que o acordo de delação de Mauro Cid pode ser anulado em razão dos áudios. Uma decisão será tomada na sexta-feira (22/3), após uma reunião entre os investigadores.
Em nota emitida após a divulgação dos áudios, a defesa de Mauro Cid diz que o tenente-coronel ” em nenhum momento coloca em xeque a independência, funcionalidade e honestidade da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República ou do Supremo Tribunal Federal na condução dos inquéritos em que é investigado e colaborador, aliás, seus defensores não subscrevem o conteúdo de seus áudios”.