Maria Wanick Sarinho*
A recente decisão da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que liberou a Meta a retomar o uso de dados de usuários brasileiros para treinar inteligência artificial, reacendeu o debate sobre privacidade e proteção de dados no país. O aval para a empresa controladora de Facebook, Instagram e WhatsApp está condicionado ao cumprimento de um “plano de conformidade”, que inclui mecanismos como o “direito de oposição”, permitindo que usuários se recusem a fornecer seus dados para treinamento de IA.
O caso chama a atenção para os desafios enfrentados pelas grandes empresas de tecnologia ao equilibrar inovação e privacidade, especialmente diante da crescente aplicação de sistemas de inteligência artificial generativa, que dependem fortemente de dados pessoais para evoluir.
A decisão da ANPD é um marco importante, mas traz uma série de desafios. O principal deles é garantir que a inovação avance sem comprometer os direitos dos titulares de dados. As empresas precisam encontrar formas de coletar e tratar dados de maneira ética, garantindo transparência e controle aos usuários.
Além de permitir que a Meta volte a usar os dados, a ANPD impôs medidas para garantir que os usuários estejam cientes e possam se opor ao uso de suas informações. O direito de oposição é um mecanismo importante, mas ele só é eficaz se houver comunicação clara e acessível. As empresas precisam garantir que o processo para exercer esse direito seja simples e eficiente.
Outro ponto de destaque é o tratamento dos dados de usuários que não possuem contas nas plataformas da Meta, mas que tiveram informações incluídas por terceiros. Esses casos podem ser mais complicados, pois a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) exige que qualquer tratamento de dados tenha uma base legal. Mesmo que a pessoa não tenha uma conta, suas informações pessoais ainda estão protegidas pela lei, e as empresas precisam garantir mecanismos para que esses indivíduos possam solicitar a exclusão de seus dados.
Já sobre o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, o plano de conformidade não permite o uso das informações de contas de usuários menores de 18 anos para treinar e desenvolver seus modelos de IA generativa. Embora tenha suspendido esta utilização, a Meta quer discutir com a ANPD a legitimidade do tratamento de dados pessoais dessa categoria.
A LGPD impõe uma camada extra de proteção para dados de menores de idade, que deve ser realizada sempre em seu melhor interesse. A lei exige o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal . No contexto de inteligência artificial, essa proteção precisa ser robusta, com sistemas que verifiquem a idade e o consentimento de maneira eficaz.
A Meta anunciou uma série de medidas para aumentar a transparência e facilitar o entendimento dos usuários sobre o uso de seus dados, como o envio de notificações e a inclusão de banners em suas plataformas. A comunicação deve ser simples, clara e acessível. Jargões técnicos complicam a compreensão e afastam os usuários. É importante que as empresas adotem uma linguagem que todos possam entender e ofereçam canais de fácil acesso para que o usuário exerça seus direitos.
Em caso de violação de dados, tanto a ANPD quanto o Judiciário brasileiro têm papeis fundamentais na responsabilização das empresas. A ANPD pode intensificar fiscalizações e aplicar sanções severas em casos de falhas recorrentes. Já o Judiciário pode criar precedentes importantes para garantir a proteção de dados, com decisões que envolvam penalizações rigorosas e indenizações. E é sempre relevante lembrar do nosso papel como usuário: se informar e cobrar mudanças.
*Maria Wanick é advogada do Escobar Advocacia e especialista em Propriedade Intelectual e Proteção de Dados