Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Do Correio Braziliense
A dois dias de completar 80 anos de idade, o professor, ex-reitor da Universidade de Brasília, ex-governador do Distrito Federal e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque faz uma reflexão. “Ainda não me dei conta de que fiquei velho, mas sei que tenho pouco tempo daqui para a frente.” Ele sabe, porém, o que fazer com esse tempo. “Não quero gastar indo atrás de eleitor, quero gastar indo atrás de leitor.”
Escritor compulsivo e pensador inquieto, Cristovam perdeu a conta de quantos livros publicou ao longo da vida, mais de 100. Nesta entrevista ao Correio, o professor revela que vêm mais dois títulos por aí. Aos jornalistas Denise Rothenburg, Carlos Alexandre de Souza e Vinicius Doria, o ex-governador do DF faz um balanço — com muitas autocríticas — de sua trajetória pública e avalia o momento atual da política brasileira.
Lula 3, polarização, emergência climática e transição energética, sucessão do governador do DF, tudo passa pelo olhar crítico do acadêmico, que não pensa mais em voltar para a política. “Quero ficar no banco dos filósofos”, diz ele. Entre cenários otimistas — “Lula vai acertar na economia” — e pessimistas — “Não vamos dar o salto na educação” —, Cristovam não crê em terceira via, defende a união das esquerdas e alerta para a possibilidade de o pós-Lula ser representado pelo que chama de “direita reciclada”.
O senhor está completando 80 anos. O que mais lhe marcou na sua carreira política?
Ter sido governador do Distrito Federal. Fui o segundo governador eleito, (Joaquim) Roriz foi o primeiro. E em uma cidade com poucos anos de idade e cheia de problemas, de desafios. Além disso, ser o primeiro governador eleito pelo Partido dos Trabalhadores, em um grupo de oito partidos diferentes, um deles com vocação hegemônica. E, para completar, um partido vinculado totalmente ao sindicalismo numa unidade da Federação em que o maior empregador é o próprio GDF. Guardo muito o desafio que representou ser o maestro desse imenso conjunto de músicos, cada um querendo tocar uma partitura diferente. Eu tinha algumas bandeiras claras, implantar o Bolsa-Escola, fazer a reforma da educação, o Saúde em Casa, uma experiência que nunca tinha sido feita. Mas, se você perguntar qual desses cargos todos o que eu mais lembro com gosto, foi ser reitor da UnB.
E a sua experiência como ministro da Educação?
Houve choques, inclusive, uma coisa que eu lamento ter feito — acho que foi inexperiência minha — com o presidente Lula. Eu dizia coisas que um ministro não pode dizer. Eu disse que não precisava do (programa) Fome Zero. Para acabar com a fome, bastava pegar o Bolsa-Escola, que o (ex-presidente) Fernando Henrique Cardoso tinha copiado do nosso do GDF, aumentar um pouco o valor e dar para todo mundo. É claro que o Lula ficou furioso, porque ele acreditava naquilo, que era possível resolver a fome produzindo comida. Para resolver a fome no Brasil, primeiro é colocar dinheiro no bolso do povo. E, para mim, era claro que o ministro tinha que ser da educação, não do ensino superior. Tentei, inclusive, convencer o Lula a criar o Ministério da Educação de Base.
Por que ele não criou?
Pressão de sindicatos, universidades, Andes, Fasubra, UNE, todos achavam que se transformasse o MEC em Ministério da Educação de Base o dinheiro da universidade iria embora. Minha proposta era diferente, era pegar a Secretaria de Ensino Superior e levar para o Ministério da Ciência Tecnologia ou criar o Ministério do Ensino Superior. Mas Lula queria, e conseguiu, priorizar o ensino superior. Ele me disse, quando me demitiu por telefone (em 2004), com aquele jeitão dele: “Companheiro, eu quero um ministro que agarre mais no ensino superior”.
Já se passaram mais de 20 anos desde que o senhor deixou o ministério, e o Brasil ainda tem resultados catastróficos na educação. Por quê?
A educação no Brasil é uma questão municipal. Os municípios não têm dinheiro e são desiguais. Agora mesmo, o ministro Camilo (Santana) lançou um programa de alfabetização aos 8 anos. Não vai funcionar. Há município que não tem condições. Tinha que ter uma campanha em que a União adotasse as cidades que não têm condições. É o que eu chamo de federalização.
Quando o senhor diz federalizar, significa o quê?
Tem razão quem diz que a gente gasta muito em relação aos resultados. Mas tem razão quem diz que, para dar um salto e ficar igual à Finlândia, a gente precisa gastar mais um pouco. Federalizar é ter uma carreira nacional do magistério, com salário pago pela União.
Seria tudo estatal?
Eu disse federal, não, necessariamente, estatal. E público. Uma das coisas que a esquerda precisa descobrir é que público não é sinônimo de estatal, e estatal não é sinônimo de público. É assim que eu imagino um sistema público de educação, para igualar pobre e rico na mesma escola.
O MEC ainda está longe dessa revolução?
O MEC não é Ministério da Educação. O MEC, como está hoje, é o Ministério do Ensino Superior. Deveria tirar o C e botar o S. Quem manda no ministério são as universidades.
Qual sua opinião sobre o novo ensino médio?
Votei a favor. O projeto, da época do Temer, foi um avanço. Foi um erro as corporações quererem barrar aquilo, a ideia das trajetórias (trilhas de aprendizagem). Isso está em Paulo Freire. O aluno tem que escolher o que ele quer estudar, não todas as disciplinas, mas algumas que são fundamentais. O que eu proponho, primeiramente, é tirar essa conotação de médio. Quando a gente diz ensino médio é porque existe o fundamental e existe a universidade, e o médio está ali, no meio. A educação de base tem que terminar depois do chamado ensino médio, que eu chamaria de fase conclusiva. O Brasil criou a mania de que a educação se conclui na universidade. A educação tem que se concluir antes da universidade.
Então, a universidade não é para todos?
A educação tem que ser para todos que querem. Mas tem que acabar com essa ideia de que é para todos. É falso. No dia em que a universidade for para todos será o mesmo que dizer que a Seleção Brasileira de futebol é para todo mundo que bate bola. Não é. A Seleção é para uma minoria.
Há outras discussões paralelas que acabaram entrando no debate no último governo, como home schooling, escolas militares, questões de gênero, doutrinação da esquerda. Isso atrapalha?
É claro que é um absurdo essas ideias trazidas pelo governo Bolsonaro e pelos reacionários, a maioria com cunho religioso e, às vezes, é reacionarismo mesmo. O problema de gênero, de sexo, é absurdo não se tratar disso nas escolas. Isso faz parte da formação. Eu não falei que o menino tem que sair da escola com o mapa de como buscar sua felicidade? Então, ele tem que conhecer a sua sexualidade, ele não pode ter medo nem querer se esconder. Se for gay, tem que ter orgulho de ser gay. Isso é um direito que não vai demorar muito. Erotização precoce? Isso não é bom. A melhor solução é se falar tudo na escola sobre sexo desde que a criança pergunte. A gente não vai passar nada para criança antes que isso atenda à curiosidade dela.
Por que o debate caiu para isso, por que os pais querem os filhos em escola militar? O povo quer porque a escola que não é militar virou um caos. O que os pais querem é que não tenha greve, que menino respeite o professor, que não tenha violência. Eu errei porque não consegui formular uma escola que ensine dando liberdade com disciplina.
Como o senhor vê o avanço do ensino a distância (EAD) e das novas tecnologias?
Não dá para ficar contra o ensino a distância. Temos é que exigir qualidade. Vamos lembrar do que aconteceu 100 anos atrás. Essa coisa esquisitíssima chamada cinema descobriu que podia fazer arte dramática. Agora, imagine filmar uma peça no palco e passar no cinema. Seria muito chato. Mas foi o que fizemos na pandemia da covid-19. A gente transmitiu pelas redes sociais uma aula presencial. Temos que fazer como o cinema fez com a arte dramática, uma nova linguagem, com efeitos especiais, trazer o mundo para dentro da aula. Chamo isso de peças pedagógicas cinematográficas. Criança não aguenta aula teatral, professor no palco com quadro-negro e alunos na frente. Tem que ter Google dentro da sala, YouTube. No ensino médio, pode ser presencial sem ser teatral. E se o aluno naquele dia não quiser ir à escola, ele liga o aparelho dele, assiste à aula e se comunica com o professor. É isso que tem que mudar. É como se a gente estivesse no tempo dos automóveis, mas andando de carruagem. Temos que substituir a carruagem da sala de aula.
O senhor foi ministro da Educação no primeiro mandato do presidente Lula. Lula 3 é mais do mesmo ou é algo mais?
Tem muita coisa do mesmo, e vou apontar uma: a prisão do presente. Lula é um gênio de buscar a unidade no presente, mas não trouxe o salto para o futuro. Ele é uma maravilha para aprovar leis para trazer de volta Bolsa Família, mas ele ainda não disse como é que, no Brasil, daqui a 20 anos, ninguém precise do Bolsa família. Não é possível que este país vá precisar pela vida inteira de um Bolsa Família. Outro exemplo, o Brasil trouxe de volta algo que estávamos perdendo, que é a proteção das florestas, mas ele ainda não disse como será a indústria que vai conviver com as florestas. Lula ainda não é um estadista do futuro como foi Juscelino Kubitschek. Mas eu me orgulho de ter apoiado Lula desde 2020. Não tinha que ter terceira via.
Por quê não?
Escrevi muitos artigos sobre o Lula como um grande estadista planetário. Não há ninguém no mundo, hoje, com as condições de Lula. Quando ele fala, fala como cidadão do mundo, mas não vê o longo prazo. Lula precisa ser maior do que já é, falta a ele inspirar para o futuro.
Ele peca na questão da transição energética, por exemplo, com um discurso dúbio de defender a descarbonização e, ao mesmo tempo planejar extrair petróleo na Amazônia?
Ele tem essa ambiguidade porque o petróleo é o presente. Lula faz o jogo do presente, ainda que tenha um discurso para o futuro em matéria energética. Mas ele tinha que radicalizar mais e não deveria estar insuflando a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, ainda que seja a 500km de distância.
Mesmo sabendo que há uma fortuna enterrada lá?
Fortuna hoje, mas um desastre para o planeta no futuro. Daqui a alguns anos, o petróleo vai ser tão proibido quanto cocaína porque mata. Não é proibido fumar em ambiente fechado? Vai ser proibido usar carro a petróleo, que vai servir só para plásticos, para algumas indústrias químicas. Mas o eleitor quer. Por isso, é preciso ter líderes que convençam o povo de que é preciso sacrificar essa fortuna enterrada em nome de uma outra riqueza, que é a do ar limpo. Quem está conseguindo isso? A China, porque lá não tem eleição para presidente, decidem e vão em frente.
O problema são os interesses imediatos?
Dou um exemplo. Conheço pouco gente tão ecologista como meu amigo Randolfe (Rodrigues, líder do governo no Senado), mas, lá no Amapá, ele está a favor da exploração de petróleo porque o eleitor quer.
O eleitor pensa no boleto para pagar no fim do mês…
É isso, e para pagar o boleto no fim do mês, dentro desse sistema, ele vai nos levar à catástrofe ecológica. Nesse ponto, eu sou pessimista sobre o futuro da humanidade. Como eu acho que não há nada melhor do que a democracia, acho que a democracia não vai permitir o equilíbrio ecológico. É milagre que a democracia tenha evitado, até aqui, uma guerra atômica de um país contra outro. O eleitor sabe que, se jogarem uma bomba aqui, isso vai chegar nele. Por isso, evitam (a guerra nuclear). Mas na ecologia não tem isso. A ecologia tem uma sensibilidade de longo prazo que só os filósofos têm. Mas, na hora de pagar o boleto, pensa no imediato, no preço da carne.
Mas o carro faz parte da mitologia de Lula: o trabalhador tem que ter carro na garagem, picanha na churrasqueira e cerveja no freezer.
É um modelo mitológico porque fica muito vinculado ao indivíduo, e não, ao todo. A mitologia do Lula é ‘como eu quero que cada indivíduo neste país fique bem’. Ele não conseguiu ainda o imaginário da mitologia que quer para o Brasil daqui a 100 anos. E não é só o Lula, nenhum outro (líder) tem.
O senhor faz reflexões sobre o pós-Lula. Como seria esse futuro?
Essa é a pergunta para a qual vocês vão ter que me chamar novamente aqui para outra entrevista (risos). Eu me preocupo muito porque, quando falamos no pós-Lula, é o futuro sem Lula. Quem vai liderar o novo tempo? Um novo partido? Quem vai liderar a direita — embora a direita não precise mudar muito?. A direita é conservadora, somos nós, da esquerda — e eu gosto ainda de usar essa palavra —, que temos que nos transformar para inventar um mundo novo, sair da nostalgia ideológica. O direitista tem direito de ser nostálgico, ele quer o passado. Mas eu quero é um mundo que vá além de (Karl) Marx, que vá além de tudo isso que está aí que a gente chama de esquerda, que leve em conta as novas mídias, a inteligência artificial, que leve em conta fim do emprego, a tragédia da maravilha. Eu uso muito a expressão ‘os erros do sucesso’. É um sucesso, por exemplo, as famílias terem poucos filhos, mas é um desastre para as finanças da Previdência. Temos que adaptar a Previdência para essa nova pirâmide etária. A gente tem que trazer — aí é o mais grave — no discurso da esquerda o esgotamento do Estado, um esgotamento financeiro. Fomos nos acostumando a gastar e a gastar.
E o problema da corrupção?
É o esgotamento moral, a corrupção está intrínseca na ideia de que o que é público eu posso levar para casa. Esses dois esgotamentos têm que trazer algo novo.
A esquerda tem que entender que a iniciativa privada pode ser parceira do Estado?
Esse é o paradigma. A esquerda tem que entender que o debate com a direita não é na economia, que, hoje, é muito técnica e dependente do resto do mundo. A economia vai continuar respeitando a propriedade privada, respeitando o lucro do bom empreendedor, e o mercado. E não pode mais fechar o país, tem que levar em conta o resto do mundo em cada decisão de economia. Se a gente proteger agora a nossa indústria automobilística, por exemplo, o europeu não vai comprar nossa soja. E não se pode gastar mais do que se arrecada. A esquerda tem que descobrir o valor da aritmética. Os projetos sociais a gente financia tirando dinheiro dos ricos. Por que o governo só pode ter mais dinheiro emitindo moeda ou se endividando? Nesse ponto, Lula acerta ao taxar transações de fundos (dos super-ricos) no exterior. Tem que tirar também das mordomias do Parlamento, das mordomias do Judiciário. Mas é cômodo dizer que não há limites para gastar. Grande parte da esquerda se acomodou porque caiu no eleitoralismo.
Muitas dessas medidas, como o imposto para super-ricos, passam pelo Congresso. É possível fazer essas mudanças com esse Parlamento que temos?
Não sou otimista. Temos duas alternativas. Uma, que eu não defendo, é aceitar que não dá para fazer e ponto. A outra é: ‘vamos negociar ?’. Acho (a negociação) perfeitamente legítima. O que eu não sei são os limites do possível.
Como senhor vê a participação dos militares na política brasileira?
Um tema que me interessa muito, porque é polêmico, são os limites da questão militar. Um dos fracassos da nossa democracia é não enfrentarmos essa questão. Em 40 anos de democracia, a cada eleição precisamos esperar para saber se teremos ou não um conjunto de generais omissos. Os (oficiais) ruins tentaram dar o golpe (em 8 de janeiro), os demais foram omissos. Nenhum desses omissos deu voz de prisão aos golpistas. Para mim, foi pura sorte que os omissos não mudassem de lado. Temos que mudar a própria ideia de Forças Armadas para Forças de Defesa.
Essa não foi a inspiração para a criação do Ministério da Defesa?
O Ministério da Defesa tem me parecido ser duas coisas: o representante sindical das Forças Armadas para conseguir mais dinheiro e o rivotril da sociedade (risos).
É o ministério do “muita calma nessa hora”?
Sim. Temos que ter a consciência de que esse pessoal está aí para defender a pátria, as fronteiras. E cada vez mais vai diminuir o papel da Defesa com base na infantaria e na cavalaria. Cada vez mais, será com base na ciência. Eu até imagino um sistema de defesa nacional onde estejam militares e universitários, cientistas de tecnologia.
Como o senhor avalia o seu conterrâneo José Múcio Monteiro, ministro da Defesa?
Ele é um excelente farmacêutico e líder sindical dos militares. É o ministro que atende muito bem a questão do orçamento (militar) junto ao presidente e é o ministro do “muita calma nessa hora”. Mas, pelo que vejo, nem ele nem os anteriores podem ser chamados de líderes das Forças Armadas.
O senhor acha que estamos livres de riscos à democracia?
Nos próximos meses, sim. Mas é claro que vejo riscos, não mudou nada, só tivemos a sorte de ter generais omissos que não entraram no golpe e de ter um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) obsessivo. Alexandre de Moraes é uma pessoa obsessiva, corajosa na defesa das regras, da democracia. Tivemos a sorte de o presidente ser Lula, com o carisma dele. E a maior de todas as sortes: o outro lado ser um idiota, que é Jair Bolsonaro, que foi um capitão expulso do Exército. Imagine se ele fosse um general? Imagine se Alexandre de Moraes não tivesse essa obsessão, titubeasse um pouco.
Como ex-governador e cidadão, como vê o Distrito Federal? Brasília melhorou?
Começo pela política nacional. Eu sou filiado a um partido muito pequenininho, quase insignificante, que é o Cidadania. Lá, se fala muito que o nosso problema são os extremos — problema que temos aqui, no Distrito Federal. Mas eu não acredito na polarização. Esses dois extremos existem porque o centro é vazio. É tão vazio que chamamos de terceira via, não de via principal. Nessas eleições municipais, muito nacionalizadas, defendo que nós, que não estamos nos extremos, precisamos ganhar a disputa moral, ser reconhecidos como parte da família progressista.
Não foi o que Lula fez na última eleição, se aproximar do centro?
Mas era uma estratégia eleitoral, que deveria ser feita. Estou falando dos próximos cinco anos para recuperar a credibilidade. Falo do meu caso, eu me distanciei muito desse pessoal, votei no impeachment (da presidente Dilma Rousseff), tenho uma posição econômica completamente diferente da esquerda. A economia não é um debate para a esquerda, tem regras técnicas. A esquerda entra na hora de distribuir o que a economia produz e, mesmo assim, com cuidado para os empresários não irem embora. Precisamos mostrar que temos um lado. Precisamos mostrar esse lado no DF, mas está difícil. Precisamos dar apoio a uma via progressista que enfrente os conservadores do entorno do governador Ibaneis Rocha.
Nesse Brasil pós-Lula, Fernando Haddad seria o nome para sucedê-lo?
Se a escolha fosse minha, seria o Haddad um bom pós-Lula. Mas eu não pergunto do ponto de vista eleitoral, falo de carisma, de competência, e ele não tem como Lula tem. Ninguém tem.
E o vice-presidente Geraldo Alckmin?
Poderia, mas será que ele consegue ser o pós-Lula diferente do Lula e mantendo o apoio do PT? Alckmin está em uma posição privilegiada, é ministro da indústria em um momento em que se necessita de uma nova indústria no mundo. Mas ele não trouxe nada ainda. E colocou no lugar de quem pode fazer isso Rodrigo Rollemberg (secretário de Economia Criativa do Midc), que está pensando em ser deputado, está ali passando o tempo. Eu temo que o pós-Lula venha de uma direita reciclada.
E quem representaria melhor essa direita?
O (governador de Goiás, Ronaldo) Caiado poderia trazer uma proposta reciclada. No Brasil, a disputa não se dará no debate econômico, porque Lula vai acertar na economia. O grande debate vai ser na segurança pública. Caiado vai pegar essa questão da segurança porque, dizem, deu um jeito em Goiás.
E o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas?
Seria outro nome, mas todo mundo está dizendo que ele quer permanecer (no cargo para tentar a reeleição). Se ele sair sem apoio de Bolsonaro, perde. Se tiver o apoio, vai ter dificuldades também.
Para a sucessão de Ibaneis, quem poderia ter chance de vitória?
Para unir, temos que pensar em ideias, depois se define um critério para escolher o nome, mas vai ser difícil um nome que venha do zero. Até porque Ibaneis tem um nome, a (vice-governadora) Celina Leão, que é muito presente. Hoje, a gente não tem essa personalidade para unificar. Fazia tempo que não conversava com a senadora Leila (do Vôlei). Também conversei com (o ex-candidato do PT ao governo do DF) Leandro Grass. Precisamos criar um bloco progressista.
Se Rollemberg voltar para a Câmara, poderia ser incluído nessa lista?
Ele pode voltar a ter visibilidade, mas, para ser candidato (ao GDF), eu não acredito nem acho que ele queira.
Na última eleição, Grass perdeu para Ibaneis no primeiro turno. Os três governos progressistas no DF — o seu, o do Rollemberg e o de Agnelo — foram muito criticados. Por quê?
Primeiro, não é só culpa nossa. O fato é que o Brasil entrou em um processo de antiesquerdismo. E por que entramos nisso? Problema nosso. Escrevi um livro sobre isso — Por que nós falhamos — o Brasil de 1992 a 2018 —, que vai de Itamar Franco a Michel Temer. Fui convidado para uma palestra na Universidade de Oxford (no Reino Unido) em que o tema era “Por que Bolsonaro ganhou?”. Disse que não tinha o menor interesse, mas, se quisessem que eu falasse sobre “Por que nós perdemos”, eu iria.
O senhor pensa em voltar à política?
Não, quem tem 80 anos não pensa em voltar.
Como o senhor chega aos 80 anos?
Sem dúvida alguma, houve uma melhora no país, mas aumentou a brecha de esperança de vida entre quem tem acesso a serviços médicos e quem não tem. Os ricos, quem tem acesso, vivem muito mais. Eu faço parte desses que têm acesso privilegiado. Mas, confesso, ainda não me dei conta de que fiquei velho. Faço tudo o que fazia, só que com menos vigor, mais devagar. Mas eu tenho uma percepção, que é o tempo adiante. A cara que eu tenho no espelho não mudou muito nos últimos dez anos, mas sei que tenho pouco tempo daqui para a frente. Isso muda meu dia a dia. Quando se fala em voltar para a política, eu vou ter que gastar um tempo que eu não quero gastar indo atrás de eleitor. Quero gastar indo atrás de leitor.
O senhor quer ficar no banco dos filósofos?
Sim, acho que eu tenho uma contribuição a dar no banco dos filósofos maior do que no banco dos estadistas, dos políticos.
O que mais o marcou ao longo desta trajetória de vida?
Tem uma coisa que me marcou muito, a greve dos professores quando eu era governador. E que me derrotou, inclusive (na campanha pela reeleição).
O professor foi traído pelos professores?
Traição é uma palavra muito forte, mas o sindicato, depois se soube, vivia uma luta política interna. E, talvez, eu não tenha feito o que eles queriam. Talvez tenha sido um purismo meu. O mesmo purismo que me levou a votar pelo impeachment (de Dilma Rousseff). Foi um erro ter votado no impeachment da Dilma. Acho que ela cometeu, sim, irresponsabilidade fiscal. Mas, com isso, eu sacrifiquei, inclusive, a minha possibilidade de contribuir. Eu perdi minha reeleição (ao Senado) por isso. E eu estava com a reeleição ganha, mas cochilei, fiz uma campanha de salto alto. E o bolsonarismo pesou. Eu reconheço que foi um erro, do ponto de vista político, apesar do acerto do ponto de vista da coerência. Naquele momento, mudei de lado. A minha turma votou contra o impeachment, mas eu queria ser macho com minha coerência e votei a favor. Foi uma pisada de bola. Se me arrependo? Difícil dizer, nem sabia o preço a pagar. No prédio onde moravam minhas netas, na época com 5 e 8 anos, estenderam uma faixa “Meu vovô é golpista”. Jogo baixo. Eu entendo a raiva, mas a raiva não é boa conselheira.
Aos 80 anos, o que o senhor ainda quer fazer?
Boa pergunta. Não vou dizer algo impossível, que é ver o Náutico campeão (risos). Eu quero continuar escrevendo. Em 8 de março eu lanço um livro de conversas com (o economista e um dos pais do Plano Real) Edmar Bacha. E vou lançar uma ficção em abril ou maio. O personagem principal é um jornalista do Correio que faz uma investigação sobre meninos que desaparecem em Planaltina. Ele tem uma moto velha e uma namorada em Sobradinho. E eu misturo evasão escolar com desaparecimento. O título vai ser Os náufragos, que é como eu chamo as crianças que saem da escola, que caem no mar da desescola e não têm futuro.