Foto: Juan Mabromata/AFP
Do Correio Braziliense
Durante o discurso de posse, em 10 de dezembro de 2023, de costas para o Congresso, Javier Milei anunciou: “Nós avançaremos nas mudanças de que o país necessita porque temos a certeza de que abraçar as ideias de liberdade é a única forma de conseguirmos sair do buraco em que fomos colocados”. Seis meses depois da posse do primeiro presidente ultralibertário da Argentina, o cenário é de incerteza. O país amarga uma crise financeira com forte recessão e escalada da miséria.
Um relatório do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica Argentina (ACA) mostra que a pobreza atingiu 55,5% dos 46,9 milhões de habitantes, no primeiro trimestre. A extrema pobreza chega a 17,5%. Sem maioria no Legislativo e por não conseguir aprovar medidas urgentes no Senado, Milei precisou dar um choque na articulação política: em 28 de maio, nomeou como chefe de gabinete o ex-ministro do Interior Guillermo Francos.
Segundo Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA), Milei obteve alguns ganhos nesses 182 dias de governo. “Houve uma redução moderada da inflação, com uma forte diminuição do gasto que, até agora, não provocou manifestações massivas, à exceção de protestos contra os cortes nas universidades”, explicou ao Correio. Em abril, a inflação registrou desaceleração pelo quarto mês consecutivo e fechou em 8,8%.
Entre os fracassos da Casa Rosada, De Luca cita o fato de Milei não ter uma única lei aprovada pelo Congresso. “Todo o seu plano de governo está demorado. Também não houve novos investimentos estrangeiros ou expectativas de que a economia argentina melhore no curto prazo.” Desde 10 de dezembro, quando ascendeu ao poder, Milei enfrentou duas greves gerais contra as políticas de ajuste.
Facundo Galván, colega de Miguel de Luca na UBA, adverte que ainda é prematuro fazer uma análise mais aprofundada do governo Milei. No entanto, ele vê como um acerto o fato de a equipe do ultralibertário ter se concentrado em reduzir os índices de inflação. “Ele também busca focar sua gestão em reduzir os gastos públicos, sobretudo na estrutura democrática do Estado. Nesse sentido, Milei tem sido muito polêmico em exonerar funcionários públicos que não cumprem com sua tarefa, o que é um grande acerto”, disse à reportagem.
As demissões afetaram dezenas de milhares de servidores, mas a motosserra de Milei foi além. No setor privado, mais de 62 mil argentinos perderam seus empregos. O ajuste dos gastos públicos lançou o país em estado de conflito permanente e impactou a indústria e a construção civil. Se a inflação caiu, a atividade industrial sofreu a maior desaceleração desde abril de 2020.
De acordo com Galván, a “ultraminoria” de Milei no Congresso não demonstra a intenção de formar uma coalizão. “Isso faz parte de uma estratégia, mas o presidente acabou por incorporar figuras, como os ministros Patricia Bullrich (Segurança) e Luis Petri (Defesa), completamente desprovidos do apoio oficial de seus partidos. Ele decidiu que a aprovação de matérias no Legislativo ocorrerá com apoios temporários, não por meio de uma aliança governista, como fez Jair Bolsonaro, no Brasil”, acrescentou.
O estudioso vê a política universitária de Milei como um engano, com erros de cálculo em relação ao que a educação pública superior e gratuita implica para o argentino. Galván citou o escândalo do armazenamento de toneladas de alimentos em depósitos do Ministério do Capital Humano. No fim do mês passado, a Justiça ordenou a sua distribuição oficial às cozinhas comunitárias.
No âmbito da política externa, Javier Milei enfrenta uma tensão diplomática com a Espanha, depois de chamar a esposa do primeiro-ministro socialista Pedro Sánchez de “corrupta” e de qualificar o socialismo de “satânico” e “cancerígeno”, durante visita a Madri. As autoridades espanholas chegaram a retirar “definitivamente” sua embaixadora de Buenos Aires. O presidente argentino também amargou embates com os homólogos Gustavo Petro (Colômbia), Nicolás Maduro (Venezuela), Daniel Ortega (Nicarágua) e Miguel Díaz-Canel (Cuba). A relação com o Brasil tem sido marcada pelo pragmatismo: a Casa Rosada evita criticar diretamente a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva e prejudicar as relações bilaterais com um aliado comercial.