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Do Correio Braziliense
A revelação dos bastidores do golpe de Estado que estava sendo planejado pelo então presidente Jair Bolsonaro e militares palacianos, detalhados nos depoimentos à Polícia Federal (PF) dos ex-comandantes do Exército general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica brigadeiro Carlos Almeida Baptista Junior, foi recebida com alívio tanto no Ministério da Defesa quanto no alto comando das três Forças. Oficiais de alto escalão ouvidos pelo Correio foram unânimes em considerar que a imagem das Forças Armadas foi preservada.
Mesmo com a confirmação de que o ex-comandante da Marinha Almir Garnier estava disposto a aderir ao movimento golpista, afiançando ao presidente Bolsonaro que poderia contar com sua tropa para apoiar a decretação de estado de sítio ou de uma operação de garantia da lei e da Ordem (GLO), a avaliação é que a instituição, a mais antiga das três Forças, foi preservada. As fontes ouvidas lamentaram o papel do almirante, porém, evitaram fazer juízo de valor sobre a conduta dele.
Um dos oficiais ouvidos disse esperar que a Justiça apure o contexto em que esse apoio ao golpe foi dado e que leve em conta a biografia do ex-comandante, com uma longa ficha de serviços prestados. “Se o presidente tivesse decretado uma GLO, por exemplo, o comandante teria que cumprir”, ponderou. Essa fonte não entende porque Garnier não se alinhou com seus colegas do Exército e da Força Aérea Brasileira (FAB) quando soube que se recusariam a participar da trama golpista.
Outro alto oficial da Armada defendeu a apuração minuciosa dos fatos e a punição dos culpados, mas espera que o Supremo Tribunal Federal (STF) “respeite o devido processo legal, o direito ao contraditório e à ampla defesa”. “É triste (ver a situação de Garnier), ele prestou muitos serviços ao país”, lamentou.
No Ministério da Defesa, os depoimentos dos ex-comandantes foram bem recebidos, após um longo período de expectativa em relação à participação de militares de alta patente na conspiração bolsonarista. Para a equipe do ministro José Múcio Monteiro, as revelações apenas comprovaram o que o titular da pasta vem dizendo desde o início das investigações: apesar dos militares envolvidos, o “CNPJ” das Forças Armadas foi preservado. Não há, também, nenhuma disposição de “proteger” quem quer que seja, segundo uma fonte do ministério. “Agora, está tudo nas mãos do ministro Alexandre (de Moraes), nós abrimos mão de tudo para que o caso ficasse com o Supremo”, disse.
Procurado pelo Correio, o ministro José Múcio Monteiro disse que prefere esperar a conclusão do inquérito para se pronunciar. Mas está convencido de que o “episódio” do plano golpista está chegando ao fim e, “graças a Deus, está se chegando à conclusão do que eu falei, que as Forças Armadas (como instituição) não têm nada a ver com isso”.
“O episódio está mostrando que alguns CPFs participaram (da trama), o CNPJ não”, declarou o ministro, reafirmando a metáfora que gosta de usar. Ele considerou acertada a decisão do ministro Alexandre de Moraes de tirar o sigilo dos depoimentos.
O sentimento apurado pela reportagem é o de que não haverá blindagem dos oficiais envolvidos. “Ninguém vai se proteger nas Forças Armadas, culpados serão punidos”, disse uma das fontes ouvidas. Sobre possíveis ações administrativas previstas nos códigos militares, a reportagem apurou que nada será feito antes do fim do processo judicial que corre no Supremo.
Pelo menos dois generais do Exército, citados como articuladores do golpe — o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e o ex-ministro-chefe da Casa Civil Braga Netto —, estão “queimados” entre seus pares. A pressão feita, especialmente por Braga Netto, sobre os comandantes para que aderissem à conspiração foi vista como uma tentativa de “coação”.
Segundo depoimento de Gomes, Netto o chamou de “cagão” por não aceitar aderir ao golpe. O ex-comandante da FAB, que considerava Netto “um amigo”, foi chamado de “traidor da pátria”.
“Tudo isso ajudou a criar um clima muito ruim”, revelou um dos interlocutores da caserna ouvidos pela reportagem. O chefe do Exército, inclusive, disse que prenderia o presidente Bolsonaro caso ele assinasse o decreto golpista, cuja minuta foi discutida em duas reuniões nos derradeiros dias do governo anterior, segundo revelou o ex-chefe da FAB, Baptista Junior.